PM registra aumento no resgate de animais com risco de extinção
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26 de novembro de 2020Durante o planejamento de reservas para a conservação da biodiversidade e serviços ecossistêmicos, tem sido mais comum considerar as necessidades dos animais terrestres e da floresta, com a suposição de que o ambiente de água doce seria automaticamente beneficiado. Mas diversos estudos mostram que isso não é necessariamente verdade, e que boa parte da biodiversidade aquática acaba desprotegida com o uso dessa estratégia.
Uma pesquisa publicada na Science de outubro aponta que a inclusão dos sistemas aquáticos no planejamento da criação de Unidades de Conservação aumenta em 600% a qualidade de conservação da biodiversidade de uma região, enquanto que diminui em apenas 1% a conservação das espécies terrestres.
O estudo defende que se deve levar em conta no planejamento de Unidades de Conservação (que envolvem diferentes tipos de reservas) os sistemas de água doce, pois essa mudança de foco não significa que os sistemas terrestres perderão uma parte importante da sua proteção atual. A pesquisa foi realizada pela Rede Amazônia Sustentável – uma iniciativa envolvendo cientistas do Brasil, incluindo pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) Jansen Zuanon e Neusa Hamada, do Museu Paraense Emílio Goeldi, da Europa, EUA e da Austrália.
Os ecossistemas de água doce representam apenas 0,01% de toda a água encontrada no planeta Terra, mas abrigam cerca de 10% de todas as espécies conhecidas e incluem 1/3 de todos os vertebrados (principalmente peixes, mas também diversos outros animais aquáticos como jacarés, quelônios, serpentes, anfíbios, e muitas aves). São responsáveis pela regulação do clima, fornecimento de alimentos, combustível e fibras, e mesmo assim, encontram-se mais ameaçados que os terrestres e marinhos.
Nos últimos 50 anos, a população dos vertebrados de água doce diminuiu 83% em comparação aos demais vertebrados (com redução de 40%). Os motivos para este declínio envolvem a superexploração, poluição dos ambientes aquáticos, modificação do fluxo da água (por barragens, desvios e retirada de água para diversos fins), introdução de espécies não nativas, e por impactos diretos e indiretos decorrentes de mudanças climáticas e da contaminação por microplásticos e produtos químicos.
Conservação incidental
A primeira autora, a professora da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de Lavras, Cecilia Gontijo Leal, explicou que o planejamento da conservação geralmente se concentra na proteção de espécies que vivem em ambientes terrestres e se presume que as espécies de água doce serão protegidas incidentalmente, ou seja, quase como uma consequência natural dos esforços para conservar as espécies terrestres.
“No entanto, mostramos que as iniciativas de conservação com foco nas espécies terrestres protegem apenas 20% das espécies de água doce que teriam sido protegidas por meio da conservação direcionada aos ambientes e espécies aquáticas. Para enfrentar a atual crise de diminuição da biodiversidade aquática, as espécies que vivem em rios, riachos e lagos precisam ser explicitamente incorporadas ao planejamento de conservação”, disse Leal, em nota distribuída pelos autores.
Planejamento integrado
Segundo o pesquisador da Coordenação de Biodiversidade do Inpa, Jansen Zuanon, a razão para a quase inexistência de um planejamento integrado para sistemas terrestres e aquáticos deve-se à quantidade muito maior de informações sobre a distribuição das espécies terrestres do que sobre as aquáticas.
“É possível fazer observações na floresta e obter informações sobre a presença de espécies de árvores, mamíferos e aves apenas por meio de registros visuais. Já para as espécies aquáticas, que ficam escondidas sob a água, geralmente é necessário capturar ou pescar esses organismos, preservar amostras e levar ao laboratório para identificação, o que torna o trabalho mais lento e mais difícil. Além disso, essa parcela da biodiversidade aquática que fica “escondida” dos olhos do público em geral também acaba motivando menos pressões para a sua conservação”, explicou Zuanon.
A pesquisa utilizou dados de coletas e amostragens de mais de 1.500 espécies terrestres e aquáticas na Amazônia, na região de Santarém e Paragominas (PA). Por meio de simulações matemáticas a partir desses dados, foi avaliado até que ponto determinados grupos de espécies são protegidos por meio das estratégias de conservação dirigidas a outras populações, o que é chamado de “conservação incidental”. Na prática, foi comparado quanto da biodiversidade aquática é protegida quando se foca nas espécies terrestres, e vice-versa.
Cenários distintos
Durante a pesquisa, diferentes cenários foram montados para verificar o quanto da biodiversidade estaria protegida durante a criação de reservas nos seguintes contextos: apenas com dados das espécies terrestres, apenas com informações sobre as espécies aquáticas (com base na proteção das bacias hidrográficas), e com o uso de dados combinados entre as espécies terrestres e aquáticas.
Os cientistas verificaram que as estratégias que envolvem os ambientes aquáticos, utilizando bacias hidrográficas como unidades de planejamento, são mais vantajosas e garantem uma conservação eficiente das espécies terrestres e aquáticas.
“Usando os dados combinados de espécies terrestres e aquáticas, teríamos um aumento de até 600% na proteção das espécies aquáticas, praticamente sem deixar de conservar as espécies terrestres. Mesmo sem dados sobre a biodiversidade aquática, mas garantindo que as reservas mantenham a conectividade entre esses ambientes, seria possível dobrar a quantidade de espécies aquáticas protegidas, com perdas mínimas na conservação de espécies terrestres”, afirmou Zuanon.
Conectividade – Criação de Corredores Ecológicos
As Unidades de Conservação (UCs) a serem criadas devem priorizar a conservação de bacias hidrográficas inteiras (de diferentes tamanhos) para conservar adequadamente as espécies dos dois ambientes, e deve envolver a criação dos corredores ecológicos.
“A estratégia de criar corredores ecológicos entre Unidades de Conservação garante a conectividade entre os ambientes aquáticos, estabelecendo esses corredores ao longo dos rios e igarapés que drenam as reservas. Isso pode e deve ser feito para as novas Unidades de Conservação a serem criadas na Amazônia, e para otimizar as redes de reservas já criadas no bioma”, defende o pesquisador do INPA.
Na Amazônia encontra-se a maior diversidade de peixes do planeta, com 2.700 espécies já descritas, além de plantas e outros grupos de animais que vivem e dependem desse ecossistema aquático.
“Usando os resultados de nossas pesquisas e planejando adequadamente as estratégias de conservação ambiental na Amazônia, teremos uma chance muito maior de proteger a nossa biodiversidade e garantir a manutenção de serviços ambientais fundamentais para a região, para o Brasil e o mundo”, assegura o pesquisador.
Foto: Marizilda Cruppe