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13 de fevereiro de 2019MEIO AMBIENTE| “O maior risco que essa floresta corre é a falta de conhecimento sobre ela”. A afirmação é do pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente do comitê científico do Programa AmazonFACE, David Lapola, durante lançamento do livro “Floresta em risco – as mudanças climáticas destruirão a Floresta Amazônica?”, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC).
A obra do AmazonFACE (Free Air CO2 Enrichiment, sigla em inglês para Enriquecimento por gás carbônico ao ar livre) foi escrita por Lapola e pelo jornalista norte-americano Daniel Grossman, com fotos de João Marcos Rosa e ilustrações de Rogério Lupo. O AmazonFACE é um Programa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) executado pelo Inpa, que busca entender como o funcionamento da floresta amazônica, a maior floresta tropical do mundo, vai responder ao aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa na atmosfera.
“É isso [falta de conhecimento] que assola essa floresta, em vista da mudança do clima; é a gente não saber, ter pouca evidência, pouco estudo e ciência em relação à como a floresta amazônica vai se comportar com relação às mudanças climáticas”, disse Lapola, que é ecólogo com doutorado em modelagem do Sistema Terrestre.
Com uma linguagem acessível ao grande público, a obra explica o problema das mudanças climáticas globais, e detalha a abordagem científica do programa AmazonFACE, sua justificativa, métodos e perguntas científicas. O programa é realizado na Estação Experimental de Silvicultura Tropical ZF-2 do Inpa, a 50 km norte de Manaus, BR-174 (Manaus/AM-Boa Vista/RR).
Para o jornalista americano, o grande desafio na produção do livro foi trazer o conhecimento relacionado ao AmazonFACE e seu desenho experimental, de uma maneira simples para o para o publico. “Isso demandou muita reflexão sobre o texto do livro. Por exemplo: o experimento não vai simular exatamente como será o futuro, vai simular apenas um aspecto que é a mudança de concentração de gás carbônico na atmosfera, e em cima disso o pessoal do AmazonFACE vai incorporar outras informações de como o clima responde em diferentes processos ecológicos da floresta”, explicou Grossman.
A ideia do livro nasceu de uma conversa comum técnico do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com a equipe do programa, dentro de caminhonete no retorno da visita ao sítio experimental. Na ocasião o técnico sugeriu ao programa investir na divulgação daquele conhecimento para o grande público. A equipe abraçou a ideia e foram produzidos um vídeo sobre o projeto, este livro publicado agora, e a exposição “Amazônia e Mudanças Climáticas: um futuro em fotos, ilustrações e ciência”, que ficou cinco meses em cartaz, no Paiol da Cultura do Inpa. A proposta é levar a exposição para outras cidades do país, como Campinas (SP) e Brasília (DF).
A obra de 64 páginas teve uma primeira tiragem de 500 exemplares, com distribuição gratuita de 20% durante o lançamento no dia 06 fevereiro para aqueles que se inscreveram. O restante será distribuído para universidades e algumas escolas de ensino médio da região amazônica. A versão e-book do livro está disponível no site do programa AmazonFACE(http://www.inpa.gov.br/amazonface).
Savanização
Este ano a hipótese de savanização da Amazônia completará 20 anos. Ela foi uma das justificativas para a existência do AmazonFACE. Para Lapola, a possibilidade de a floresta amazônica perder 50%, 60% ou até 80% de sua área por causa de mudanças do clima deveria estar deixando os governos dos países amazônicos “de cabelo em pé”, mas não está principalmente por causa das incertezas científicas relacionadas ao possível efeito de fertilização por CO2.
“Então, a floresta está em risco? Está sim, vinte anos se passaram e até hoje o nosso nível de certeza em relação a essa hipótese ainda está ‘no ar’. Por isso destaco a questão das incertezas cientificas, pois quanto mais estudos tivermos, mais vamos reduzir essas incertezas sobre o futuro, e caso um futuro ruim estiver nos aguardando lá na frente, se tivermos um bom nível de conhecimento agora, conseguiremos preparar a sociedade para esse futuro”, alertou o pesquisador.
AmazonFACE
Atualmente o programa tem seu foco em experimentos feitos em arvoretas do sub-bosque da floresta (plantas pequenas de até três metros de altura) em câmeras de topo aberto (uma estrutura metálica com revestimento de polipropileno) de 2,4 metros de diâmetro e 3 metros de altura, que são um passo intermediário para o experimento do tipo “FACE” com árvores adultas, na escala do ecossistema.
A proposta central do programa é construir um aparato experimental de enriquecimento por CO2 ao ar livre, que vai aspergir CO2 na floresta madura por dez anos, por meio de pulverizadores que estarão pendurados em 16 torres de 35 metros de altura, uniformemente espaçadas ao redor do perímetro de cada parcela florestal, para saber como ela reage. Para essa infraestrutura do experimento são necessários pelo menos R$ 6milhões.
Nos últimos 30 a 40 anos, a temperatura média na Amazônia aumentou em média 0.7°C, um impacto relevante grande. Pelas projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a Amazônia terá um aumento na temperatura de 2°C a 6°C até 2.100, um cenário que requer preocupação agora e exige melhores previsões do que pode acontecer, segundo os cientistas.
“Isso vai influenciar a floresta, talvez leve a uma grande mortalidade da floresta. Com o clima mais seco e tudo isso podemos ter perda de floresta, impactos na agricultura, na saúde das pessoas, na geração de energia, impactos socioeconômicos muito grandes”, disse o gerente executivo do AmazonFACE, o pesquisador do Inpa Carlos Alberto Quesada.
O mesmo gás que aumenta a temperatura, o CO2, é a base da fotossíntese. Então, o experimento AmazonFACE busca saber se esse gás, que é o substrato para o funcionamento da floresta, se não vai ter um “lado bom também”, que seria tornar a floresta mais resistente a secas, ajudá-la a crescer mais, ou se a “retenção de água nas plantas diminuiria a evapotranspiração, desacelerando o motor hidrológico de reciclagem das chuvas amazônicas, o que acabaria por realimentar a estiagem”. Se encontrar esse “lado bom”, isso daria uma salvaguarda para todos, dando tempo maior de preparação para lidar com as mudanças e os seus impactos.
“A gente quer fazer um experimento no campo em que simule o aumento numa concentração de CO2 na atmosfera que é prevista para ser alcançada com as emissões de gases de efeito estufa pela humanidade entre 2050 e 2100”, explica Quesada. “Isso vai nos ajudar a tentar entender hoje o impacto que mudanças do clima e a elevação de CO2 terá na floresta do amanhã. Aí a gente vai começar a poder se preparar para evitar o impactos socioeconômicos, ter políticas públicas e tentar reverter esses impactos”, completou.
Financiamento e Apoio
Iniciado em 2011, o AmazonFACE envolve diretamente cerca de 50 pesquisadores, bolsistas e estudantes de várias instituições brasileiras e do exterior, mas o número dobra se contadas todas as colaborações mais pontuais. Até o momento o programa já obteve cerca de R$ 7 milhões, incluindo a primeira fase e o início desta fase 1.5, intermediária entre o início do experimento de larga-escala.
Até o momento o programa já recebeu financiamento do MCTIC, BID, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), Fundação Alemã de Pesquisa (DFG) e Instituto Serrapilheira.