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29 de maio de 2020Por Bárbara Vinagre
“Eu tenho minha carta de despedida, já está pronta. Nela, eu digo exatamente o que eu quero e o que eu não quero. Eu não quero ser intubada, eu não quero ser reanimada, eu quero que todo mundo tenha o momento para se despedir e eu tenho uma playlist com as músicas que eu amo, está pronta no meu spotify. Não vejo isso como macabro, se eu tenho que ir embora, que meus últimos momentos sejam interessantes.”
O relato acima, pertence a psicóloga Renata Fabiana Correia – CRP-RN 17/1570 (@psicologarenatafabiana), especializada em tanatologia, que é o estudo sobre a morte, suas causas e fenômenos a ela relacionados.
Renata Fabiana Correia |Psicóloga Tanatóloga Doula da Morte
“As pessoas não gostam de falar nisso porque acham que vão atrair a morte, na minha opinião é muito pelo contrário, tudo estando bem resolvido, a pessoa querida poderá estar conosco por mais tempo”, explica a psicóloga, especialista na temática que causa inquietação em muitos indivíduos.
Manaus, capital do Estado do Amazonas, já apresenta números próximos a 2000 casos de mortes registradas pelo novo coronavírus. Muitas destas vítimas da Covid-19, não tiveram oportunidade de dizer adeus aos colegas, amigos ou familiares.
“Acredito que uma das partes mais inquietantes da Covid-19 é o fato das pessoas morrerem distantes de seus amigos e familiares. A ausência de rituais fúnebres, que são extremamente importantes para elaboração do luto, também é um fator que gera um incômodo emocional às pessoas mais próximas das vítimas do novo coronavírus. Sem o acontecimento do velório, não existe este contato visual das pessoas com o corpo, fato que é considerado como uma despedida. O processo de luto é uma experiência individual, cada pessoa reage de uma forma e esta forma tem que ser respeitada. Algumas pessoas conseguem trilhar este processo sozinhas, outras precisam do auxilio de um psicólogo para utilizar as ferramentas internas para superar esta fase, e isso é absolutamente normal. O ideal para enfrentar estas dores do luto é começar pela identificação do legado que cada uma dessas vítimas deixa para quem fica”, observa a psicóloga Renata Correia.
Um exemplo desta ausência de despedida é de Yula Chaves, filha do senhor Nei chaves, paciente que acompanhamos quando ele ainda estava internado no Hospital 28 de Agosto, na matéria em que foi relatado o trabalho do psicólogo do hospital realizando videochamadas para seus familiares (Clique aqui para ver a matéria) que por sinal, foi a última vez em que Yula, mesmo que por vídeo, viu seu pai. Nei, infelizmente faleceu no dia 17 de maio na UTI do mesmo hospital.
“Ele era uma pessoa que lia muito e questionava tudo. Era um homem de Fé, que acreditava muito em Deus e amava estudar teologia. Ele não tinha medo do que pudesse encontrar do outro lado. Mas tinha medo de deixar quem amava aqui na terra”, disse emocionada Yula Chaves, ao mencionar parte do legado de seu pai.
Morando em Belo Horizonte, Yula fala de como é desesperador perder alguém para a Covid-19, principalmente quando se está longe.
“É uma sensação de impotência total. Eu quis muito poder ir a Manaus, acompanhar de perto, ajudar, fazer algo, mas todos me diziam que seria impossível. Seria um risco muito alto de me contaminar e de que eu não poderia fazer nada, pois não poderia entrar no hospital, nem na sala rosa e nem na UTI, pois não é permitido. É uma sensação de perda que só quem passa consegue entender. Não somos imortais e essa vida é muito breve”, afirma Yula.
A morte, segundo a psicóloga Renata Correia, poderia ser assunto de chás e cafés da tarde, assim como de reuniões familiares.
“Essa conversa deveria ser rotineira, não só por causa do coronavírus. A pandemia veio para alertar que qualquer pessoa pode morrer a qualquer momento. Eu vou morrer. Eu não sei o dia, mas eu vou morrer. Não tem como fugir, mas eu posso transformar esse momento em um instante mais leve. Até porque, eu acho que a morte, ela é como o nascimento, eu prefiro entender que os dois são presentes de Deus, em lados opostos, porém são ciclos da vida”, explica Renata Correia.
A psicóloga insiste que se faz necessário conversar sobre a morte e que questionamentos parecidos com os que ela teve com os pais e irmão, que foram vítimas da Covid-19 e estão curados, trazem sensação de alivio.
“Que música você gostaria de ouvir? Qual a última comida que você teria vontade de comer? Como gostaria de ser velado? Quem você não queria presente na hora da partida? Questionamentos não vão atrair a morte, não precisa bater 3 vezes na madeira, eles apenas vão trazer um sentimento de alívio e a sensação de que em uma situação como a do coronavírus, você vai poder realizar, nem que seja um dos desejos de um ente querido”, conclui a psicóloga.
Yula não conseguiu conversar sobre a morte com seu pai, porém viveu intensamente cada momento que esteve do lado dele e se despede, “Pai, te amo. Obrigada por ter sido meu pai, vai em paz e não tenha medo, a sua outra jornada só está começando”.
Confira o vídeo em que ela usa essas palavras.