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10 de agosto de 2020Nascida em Belo Horizonte, Paula Sampaio migrou para a Amazônia ainda criança com a família. Formou-se em Jornalismo pela UFPA e atuou como fotojornalista por muitos anos.
Seu olhar atento registrou diversas transformações ocorridas na região, seja no dia a dia como repórter fotográfica ou em seus ensaios documentais.
Seus projetos de fotografia falam sobre as migrações na Amazônia, bem como as comunidades e vivências que são atravessadas por grandes estradas abertas na região, como as rodovias Belém–Brasília e Transamazônica.
Ocupação, colonização da região, memórias orais e patrimônio imaterial são alguns dos temas recorrentes em seu trabalho. Suas séries são reflexões sobre a natureza e a fragilidade dos seres.
Atualmente é responsável pelo Núcleo de Fotografia do Centro Cultural Sesc Ver-o-Peso e continua desenvolvendo seus projetos. No momento, dedica-se a organizar seu arquivo pessoal.
Paula Sampaio é a artista convidada da 11ª edição do Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia.
Confira a entrevista:
P: Você é alguém que migrou, que saiu de Belo Horizonte e veio para Belém. Seus trabalhos têm muito desse olhar sobre os trajetos, os percursos. Acredita que há uma ligação com a sua própria vivência?
R: Pois é, sou parte de uma família migrante. Quando viemos para a Amazônia nos anos de 1970, já partimos de Rio Preto/SP, só nasci em Minas. Passei a minha infância mudando de lugar. Moramos em vários municípios ao longo das rodovias Belém-Brasília (nos estados do Maranhão, Pará e Goiás) e perto de Carolina, na Transamazônica. Então, trago em mim essa vivência e também esse espírito viajante. As estradas são a minha casa.
P: Você atuou por muitos anos como repórter fotográfica. Pode falar um pouco dessa rotina? Sente falta?
R: Foram quase 30 anos de um cotidiano intenso. Fotografando praticamente todo dia, uma ação visceral, onde tive a chance de atravessar em questão de horas muitas existências, além do prazer de ver essa produção chegar na vida de milhares pessoas, – às vezes bem, e em outras mal – o que também é um grande aprendizado. Essa partilha foi um exercício incrível e eu aproveitei e me entreguei a esse ofício com muita intensidade sempre, aprendi muito e utilizo essa experiência para tudo que faço. Se sinto falta? Da prática sim, mas a forma como isso se dá cotidianamente nas redações atualmente, que foram o espaço das minhas experiências, não. Com certeza fiquei muito mais exigente. Claro que o jornal impresso me fascina, até faço os meus (risos). Criei um projeto, o ‘Folhas Impressas”, que é o reflexo da minha paixão.
P: O fotojornalismo tem uma pressa em comunicar o agora. No fotodocumentarismo o tempo é um pouco mais generoso com os projetos. É isso mesmo?
R: Muitas vezes me perguntaram isso e eu sempre respondia que sim, o tempo era um diferencial determinante. Mas hoje, ando desconfiada desse senhor “O Tempo”, ele tem revelado novas faces para mim. Então, talvez seja o espaço e a dinâmica da prática e como isso se resolve no” tempo da comunicação”, a grande questão. E também porque esses conceitos de fotojornalismo, documentarismo, vão sendo acrescidos de muitas camadas no curso da história. Deixo essa provocação e não uma resposta.
P: Seus ensaios e pesquisas falam muito sobre memória, migração, natureza e ocupação. Quanto tempo leva uma pesquisa como a da Transamazônica ou do Lago do Esquecimento?
R: Esses trabalhos todos estão na minha vida, então o tempo é a duração da minha própria existência. É curioso isso, mas de verdade não sinto que tenha terminado nada, estou sempre encontrando um novo começo dentro de cada uma dessas temáticas e também uma nasce da outra. “O Lago do Esquecimento” é um bom exemplo, é “filho” do trabalho nas estradas (Transamazônica e Belém-Brasília, que realizo desde 1990 e nunca acabei). Nasceu das minhas viagens em busca de comunidades alagadas no trecho da Transamazônica, no município de Novo Repartimento, que desapareceu com a inundação provocada pelo represamento do Rio Tocantins durante a construção da Hidrelétrica de Tucuruí. Na busca pelos atingidos pela barragem acabei encontrando outros seres, as árvores fossilizadas, que formam essa paisagem trágica e todo o mundo que vive nesse lugar inacreditável e suas histórias. E do “Lago do Esquecimento” nasceu a fotoinstalação “Árvore” e por aí vai. Então, para mim, o tempo de um trabalho é enquanto eu viver e sentir vontade de revisitar esses espaços todos, reencontrar as pessoas…. Assim, a única coisa que finalizo são as etapas, batizo com um nome e sigo com tudo no meu coração. Nesse aspecto a fotografia é uma linguagem muito generosa porque ela sempre nos oferece a possibilidade de renascimento.
P: Há muito da relação com o outro em seus ensaios, com as pessoas e as comunidades. Como que se dão essas relações?
R: Sempre foi natural. Trabalho em áreas de migração onde encontro pessoas com quem me identifico. Tem muito mineiro, baiano, maranhense, então, é como se eu estivesse frequentando a casa de conhecidos e o ambiente também. Desde criança vivo na amazônia, tudo é familiar.
P: Há também a denúncia. Qual o peso da responsabilidade em comunicar as desigualdades e ocupações que vêm acontecendo?
R: A responsabilidade é tentar tratar essas questões a partir da experiência de quem está mergulhado nelas: os protagonistas dessas histórias. Buscar meios para que eles mesmos falem sobre sua condição, por isso trabalho com relatos, memórias. Foi a forma que encontrei de tentar comunicar tudo isso de forma partilhada e com relação às imagens, elas se impõem, eu só tenho que estar disponível. Agora, nos últimos três anos tenho me dedicado a estudar e rever meu arquivo que está se perdendo, então, não estou presente na cena. Ocorre que essas temáticas que são a base do trabalho que faço estão no nosso presente, assim acabam servindo de referência para pesquisas (TCCs, teses, dissertações, livros didáticos) e outras criações como, por exemplo, o filme “O Reflexo do Lago” do Fernando Segtowick, baseado no livro “O Lago do Esquecimento” que tem tido uma ótima repercussão. E assim as responsabilidades vão sendo divididas. Aliás, o movimento fotográfico em Belém sempre teve essa característica meio híbrida e partilhada, isso é uma sorte, nunca estamos sozinhos.
PAULA SAMPAIO
Nascida em 1965, em Belo Horizonte (MG), veio ainda menina para a Amazônia com sua família e em 1982 escolheu viver e trabalhar em Belém (PA). Durante o curso de Comunicação Social, na UFPA, descobriu a fotografia e, em seguida, foi aluna de Miguel Chikaoka, na Associação Fotoativa. Optou, então, pelo fotojornalismo. A sua principal referência nessa área foi o Jornal O Liberal, onde trabalhou como repórter fotográfica entre 1988 e 2015. Desde 1990 desenvolve projetos de documentação fotográfica e ensaios autorais sobre o cotidiano de trabalhadores, em sua maioria, migrantes que vivem às margens dos grandes projetos de exploração e em estradas na Amazônia, principalmente nas rodovias Belém-Brasília e Transamazônica. Além de imagens, também guarda sonhos e histórias de vida (escritos e/ou contados) de pessoas que fotografa nesses caminhos.
O Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia é uma realização do jornal Diário do Pará com apoio institucional do Museu do Estado do Pará, do Sistema Integrado de Museus, SECULT e do Museu da UFPA; colaboração da Sol Informática e patrocínio da Alubar.