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10 de agosto de 2021O trabalho das mulheres da comunidade de Aritapera, no Oeste do Pará, será tema da exposição “As Cuias Aira”, no Espaço São José Liberto, em Belém, promovida pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico Mineração e Energia (Sedeme) e Instituto de Gemas e Jóias da Amazônia (Igama) e que ficará aberta à visitação até 15 de agosto.
É na comunidade de Aritapera, uma área de várzea distante a uma hora e meia de voadeira partindo de Santarém, que mulheres de cinco comunidades ribeirinhas mantêm a secular tradição de fazer cuias diferentes daquelas conhecidas por servir o tacacá. As mulheres da Associação das Mulheres Ribeirinhas de Santarém (Asarisan) transformam o fruto da cuieira nos mais diversos objetos, todos produzidos de forma 100% natural.
Para a diretora-executiva e presidente do Igama, Rosa Neves, realizar essa exposição foi um desafio, uma forma de valorizar o trabalho e a marca já consolidada da Asarisan.
“Além de você garantir acesso ao mercado, possibilita o acesso à informação dos processos de produção dessas cuias, que seguem as regras da bioeconomia porque a forma como ainda são feitas é totalmente bio, ou seja, um processo de produção consciente. Essa exposição vai permitir com que se fale disso, que a população tenha acesso. E tem um outro aspecto, da divulgação do produto em tudo que ele representa para o nosso Estado, porque se trata de uma produção cultural, a gente tá falando de um patrimônio cultural, cujo processo de produção segue o que faziam os ancestrais indígenas que moravam ali naquela área, nos séculos 17, 18.Então você está possibilitando a valorização desse modo de fazer e, a partir da identificação desse modo de fazer, gerar a comercialização necessária”, esclarece.
Tradição
O processo de criação, passado de geração em geração, se mantém inalterado, usando apenas o que a natureza oferece para chegar ao produto final: a lixa usada para acertar as bordas é a escama do pirarucu, a tinta é extraída de uma árvore chamada cumatê e o pincel é nada mais que uma pena de galinha. O resultado é surpreendente e tão especial que as cuias produzidas na Amazônia se tornaram Patrimônio Cultural do Brasil.
E foi para preservar esse patrimônio, antes mesmo que ganhasse o registro, que as mulheres da Asarisan formaram a associação, em 2003. Organizadas em cinco núcleos de produção (Surubiaçu, Cabeca d’Onça, Centro do Aritapera, Enseada do Aritapera e Carapanatuba) elas vêm trabalhando para salvaguardar as cuias.
“Ao longo de todos esses anos de existência o grupo teve excelentes conquistas; elas conseguiram estabelecer parcerias, conseguiram o registro da primeira marca coletiva do Pará e, desde então, têm buscado fortalecer a marca. Recentemente, a gente conseguiu aprovar um projeto, dentro da Lei Aldir Blanc, voltado pra o patrimônio material, mas dentre as principais ações, a gente quer o fortalecimento e o reconhecimento da marca. As artesãs têm buscado esse fortalecimento para que nos próximos anos elas consigam renovar o registro da marca e o próprio patrimônio cultural, registrado em 2015 pelo Iphan”, explica a bióloga Rúbia Gorete Maduro, filha de uma das artesãs mais antigas da associação, Lélia.
A artesã Lélia Maduro mora na comunidade de Carapanatuba e acompanhava o trabalho feito pela mãe, que produzia apenas a “cuia de banda”, usadas para servir o tacacá.
“Ela fazia todo o procedimento, mas não sabia fazer as incisões. Já a minha tia fazia todo o processo até finalizar com o grafismo, que não seria esse que hoje a gente faz, geométrico; eram florais. Quando a gente olha pra cuia, já sabe pra que cada uma vai servir: pra um vaso, pra uma tigela, pra uma travessa. A gente tem um processo de qualidade que não comprometa nosso trabalho. Esse é um processo que não agride a natureza, tudo dela é aproveitável. A gente não usa nada industrial, tudo é o que a natureza oferece. Eu domino, do princípio ao fim, o processo”, conta, orgulhosa.
Visibilidade
Para Luciana Carvalho, antropóloga, professora da UFOPA e pesquisadora extensionista do Núcleo de Estudos interdisciplinares em Sociedades Amazônicas, Cultura e Ambiente (SACACA), que acompanha ao trabalho das artesãs de Santarém desde 2003, a oportunidade de expor os produtos na capital é motivo de comemoração.
“Ter essa exposição é uma alegria. Eu acho que marca um novo período promissor de reforço de parcerias antigas e criação de novas alianças. Vejo que esse momento é bastante especial, uma oportunidade de mostrar o trabalho na capital, num lugar que tem uma trajetória bastante reconhecida, um lugar importante na cena cultural de Belém. E também é um bom sinal de um novo tempo e que associação possa se fortalecer a partir da ampliação das suas redes de colaboração e dos canais de venda de seu artesanato, afinal, essas mulheres são artesãs e a atividade artesanal é uma importante fonte de renda pra elas”, afirma Luciana.
O primeiro contato que as artesãs do Aritapera tiveram com a professora Luciana Carvalho foi em 1998, quando ela fazia uma pesquisa sobre uma cuia exposta no Museu do Rio de Janeiro. Depois de passar por Belém e Santarém, a pesquisadora chegou à comunidade ribeirinha.
Dona Lélia já estava por lá e reuniu as outras mulheres para uma conversa com Luciana, foi quando surgiu a proposta de um projeto para trabalhar as cuias de uma forma diferente, não só banda da cuia, mas moldada em outras formas. Já em maio de 2003, formaram a Associação com cinco núcleos de produção para fazer o processo artesanal e em 2005 criaram e passaram a usar a marca Aira, a primeira marca coletiva do Estado do Pará.
Bruno Mileo, professor da UFOPA e coordenador do Núcleo de Estudos interdisciplinares em Sociedades Amazônicas Cultura e Ambiente(SACACA) conta que também participou ativamente desse processo.
“A gente discutiu o regulamento de uso e os processos pro registro da marca coletiva e quando saiu o certificado de registro, nós tivemos o conhecimento de que foi a primeira marca coletiva do Estado do Pará. A marca coletiva é um mecanismo de identidade intelectual pra identificar os produtos de associadas, cooperadas, pessoas que participam de uma entidade representativa coletiva. No caso, a Aira é uma marca para todas as artesãs que participam da Asarisan. Ela serve como um mecanismo pra comunicar esses valores que são acordados pelas artesãs como importantes para seu artesanato, sobre seu modo de fazer. A associação se coloca como instrumento de valorização da marca, mas ainda é necessário todo um trabalho de divulgação, criação de um plano de comunicação da marca e investimento em publicidade e propaganda, que é algo que a associação vem buscando através de captação de recursos em projetos”, explica o coordenador.
Ações como registro de marca ou até a cartografia social da atividade são pensadas a partir das demandas que as comunidades apresentam e, como extensão universitária, os alunos desenvolvem pesquisas pra responder essas demandas. O artesanato de cuias entra nesse programa, de extensão do patrimônio cultural na Amazônia, considerando que o modo de fazer é reproduzido desde o século 17.
“O artesanato envolve conhecimentos, técnicas e práticas que são repassadas por gerações, então, envolve muito conhecimento sobre o uso dos recursos naturais da região, muita habilidade prática pra produzir a cuia em suas diferentes etapas e, nesse sentido, as ações da extensão universitária têm sido pra valorizar o artesanato e difundir esse valor cultural pra que mais pessoas conheçam, valorizem e reconheçam esse valor cultural do artesanato de cuias”, finaliza o pesquisador.